ENCONTRO DO OPA – SÃO PAULO – 2023

ENCONTRO DO OPA – SÃO PAULO – 2023

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O OPA São Paulo realiza nos dias 17 a 19 de março de 2023 o Encontro de Oração pela Arte.

Tema: SÃO FRANCISCO XAVIER – Serviço, amor e compaixão.
Lema: Fé cristã, fonte de inspiração para a ação social e política em favor de um mundo mais justo e solidário.

Local: Colégio São Francisco Xavier – SANFRA
R. Vicente da Costa, 39 – Ipiranga
Veja o mapa
https://goo.gl/maps/GXZQATSJLpv

Horário: Sexta, 17/03/23, das 20h às 21:30h
Sábado, 18/03/23, das 9h às 19h
Domingo, 19/03/23, das 8:30h às 12:30h

Custo: R$ 60,00

O que levar?
– Sua disponibilidade para participar nos 3 dias, pois o encontro é curto, o tema é amplo e quanto maior sua participação, maior será a criatividade, a integração e a comunicação;
– Seu ânimo para criar, integrar e comunicar;
– Bíblia;
– Material referente a sua arte. Ex.:
Música: Instrumentos musicais;
Fotografia/Multimídia: câmera, celular, computador, tablet, etc.
Artes plásticas: tela, tinta, papel, pincel, etc.
Teatro: Figurinos, tecidos, maquiagem, etc.

Sobre a alimentação:
– Para o encontro ser viável e de baixo custo, estamos tentando contratar o almoço e o lanche da tarde de sábado, assim como o café da manhã de domingo para serem feitos nas dependências do Sanfra, mas para isso dependemos de um número mínimo de participantes. Além das citadas, as outras refeições serão de responsabilidade de cada participante, fora do encontro;
– Se precisa de alimentação específica provavelmente não termos como incluí-la no sábado, mas avise a coordenação para se buscar alternativa.
– Há bebedouros no local, mas é bom também levar uma garrafa de água para usar durante o encontro.

Atenção: Não ficaremos hospedados no local. Se for de fora da cidade, providencie hospedagem para esse período ou o que necessitar. Também procure forma de se deslocar para o o encontro e para sua hospedagem. Não teremos equipe para transporte dos participantes.
Se tiver dificuldades nos avise.

Contato: aopacontato@gmail.com

UM POUCO SOBRE O TEMA

São Francisco Xavier é considerado um dos maiores missionários da história, e sua vida e obra ainda são relevantes nos dias de hoje. Nascido em Navarra, Espanha, em 1506, ele foi um dos fundadores da Companhia de Jesus, juntamente com Inácio de Loyola. Durante sua vida, São Francisco Xavier dedicou-se incansavelmente ao serviço aos outros, ao amor e à compaixão, e lutou pelos direitos dos mais pobres e necessitados.

A missão de São Francisco Xavier nos ensina a importância do serviço aos outros, do amor e da compaixão. Ele dedicou sua vida a servir aqueles que mais precisavam, especialmente os pobres e doentes. Ele também viajou para lugares distantes para pregar a palavra de Deus, e se dedicou a ensinar e curar os enfermos. Sua vida é um exemplo de como o amor e a compaixão podem transformar vidas, e como o serviço aos outros é essencial para construir uma sociedade mais justa e solidária.

Além disso, a obra missionária de São Francisco Xavier também nos mostra a importância de respeitar as culturas e tradições locais, enquanto trabalhamos para levar a mensagem do evangelho às pessoas. Ele viajou para várias partes do mundo, incluindo a Índia, Japão e China, e aprendeu a língua e os costumes dos povos locais. Ele respeitou e valorizou as culturas desses lugares, e usou sua compreensão dessas culturas para comunicar a mensagem do evangelho de maneira mais eficaz.

Xavier lutou pelos direitos dos mais pobres e necessitados. Ele criticou as políticas injustas e as práticas discriminatórias que prejudicavam esses grupos, e trabalhou para promover a justiça social e econômica. Sua luta pelos direitos dos pobres é um exemplo de como a fé cristã pode inspirar ação social e política em prol dos mais vulneráveis.

Em resumo, sua vida e obra ainda são relevantes nos dias de hoje, pois nos ensinam a importância do serviço aos outros, do amor e da compaixão, da luta pelos direitos dos mais pobres e necessitados, e do respeito pelas culturas e tradições locais. Ele é um exemplo de como a fé cristã pode ser uma fonte de inspiração para a ação social e política em prol de um mundo mais justo e solidário.

Xavier, Fé cristã:
Fonte de inspiração para ação social e política em favor de um mundo mais justo e solidário.

A fé cristã é uma fonte poderosa de inspiração para ação social e política em favor de um mundo mais justo e solidário. Como cristão, São Francisco Xavier acreditava que a fé e a ação estavam profundamente ligadas, e sua vida é um exemplo de como a fé pode ser uma força transformadora na sociedade.

Para São Francisco Xavier, a fé cristã não era apenas uma questão de crença pessoal, mas também um chamado para agir em prol do bem-estar dos outros. Ele acreditava que a caridade e a justiça eram valores fundamentais do cristianismo, e dedicou sua vida a ajudar os menos afortunados e a lutar contra a injustiça e a opressão.

São Francisco Xavier via a educação como um meio de empoderar as pessoas e transformar a sociedade. Ele fundou escolas em suas missões, ensinando as pessoas a ler e escrever, e compartilhando com elas os valores cristãos de amor, compaixão e justiça. Ele também se opôs às práticas opressivas do sistema de castas hindu, lutando pela igualdade e pelos direitos humanos.

Hoje, o legado de São Francisco Xavier continua a inspirar cristãos em todo o mundo a se envolver em ações sociais e políticas para combater a pobreza, a opressão e a desigualdade. A fé cristã é uma força poderosa para motivar as pessoas a trabalhar em prol do bem comum, a servir os necessitados e a lutar pelos direitos dos oprimidos.

A mensagem de São Francisco Xavier é clara: a fé cristã não é apenas uma questão de crença, mas também uma chamada para a ação. Como cristãos, temos a responsabilidade de trabalhar para construir um mundo mais justo e solidário, baseado nos valores de amor, compaixão e justiça. Que possamos seguir o exemplo de São Francisco Xavier e colocar nossa fé em ação, trabalhando para transformar a sociedade e tornar o mundo um lugar melhor para todos.

SABIA QUE SÃO FRANCISCO XAVIER É PADROEIRO DE SALVADOR?

     No século XVII houve em Salvador uma peste e o povo da cidade fez uma procissão com a imagem de São Francisco Xavier. A peste foi extinta, a graça lhe foi creditada. O Papa, o Rei de Portugal, o governador da Bahia e o arcebispo de Salvador o proclamaram Padroeiro da Cidade.

     Houve nova peste e por isso foi reavivada a festa com missa e procissão pela Câmara dos

     Vereadores, esta festa acontece no dia 10 de maio. Porém, no mundo todo, o dia de São Francisco Xavier continua sendo o dia de sua morte, 03 de Dezembro.

     Hoje, na Catedral Basílica, existe um busto de prata em homenagem a São Francisco Xavier; o Padroeiro de Salvador.

São Francisco Xavier foi também proclamado Padroeiro Universal das Missões Católicas.

Um fato Interessante.

Quando o Rei Akihito do Japão esteve na Bahia, sua mulher Michiko ficou miito impressionada por ver na Catedral a imagem de São Francisco Xavier, já que antes de casar havia sido católica como toda a sua família. O responsável pela introdução do catolicismo na sua terra natal foi São Francisco Xavier.

XAVIER
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FEITO XAVIER
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SERMÃO DÉCIMO
PADRE ANTÔNIO VIEIRA

DA CANONIZAÇÃO DE SÃO FRANCISCO XAVIER

Sic luceat lux vestra coram hominibus: ut videant opera vestra bona, et glorifient Patrem vestrum, qui in caelis est.[1]

§I

A propriedade do Evangelho no dia da canonização de S. Francisco Xavier.

Se o sermão houvera de ser de quem é o dia, isto é, do Santíssimo Pontífice, e sapientíssimo Doutor da Igreja S. Gregório, por antonomásia o Magno, o mesmo Evangelho, sem outra exposição, nos dava o tema forçado: Hic magnus vocabitur in regno caelorum[2]. – Mas porque o intento e obrigação da festa, e o assunto do sermão é a canonização de S. Francisco Xavier, ou S. Francisco Xavier canonizado, as palavras que propus: Sic luceat lux vestra coram hominibus: ut videant opera vestra bona, et glorifient Patrem vestrum, qui in caelis est – são tão próprias e naturais do mesmo argumento, que por todas suas cláusulas e circunstâncias nos estão mostrando os fundamentos humanos e divinos, com que a Santa Madre Igreja, como coluna da fé e da verdade, pode definir e revelar na terra o que só é presente ao céu, e declarar por bem-aventurado, e que está vendo a Deus, o homem que canoniza, para que nós o veneremos como santo, como santo o ponhamos sobre os altares, como santo nos ajoelhemos diante de suas imagens, e como santo esperemos de Deus, por sua intercessão e merecimentos, o que não presumimos dos nossos.

§II

As três coisas que propõem e pedem as palavras do Evangelho. Qual foi a origem donde as chaves de S. Pedro tomaram a imitação de estabelecer na terra o que tanto depende do céu. A Igreja e os santos da lei antiga. Como se há de entender o nome gloriosos? A glória passiva e a glória ativa. O Eclesiástico, catálogo dos canonizados da lei escrita. Por que se não pode canonizar um menino que morreu depois do batismo? A oração da missa da canonização de Xavier.

Sic luceat lux vestra coram hominibus: ut videant opera vestra bona, et glorificent Patrem vestrum, qui in caelis est. – Três coisas propõem e pedem estas palavras, uma da parte do santo, outra da parte dos homens, e a terceira, e principalmente, da parte de Deus. Da parte do santo, que a luz e as obras sejam suas: Lux vestra, opera vestra; da parte dos homens, que o seu testemunho seja presencial, e de vista: ut videant; da parte de Deus, que tudo seja encaminhado, e tenha por fim a glória do mesmo Deus: Et glorificent Patrem vestrum qui in caelis est.

Nesta última cláusula se contém o merecimento próprio e determinado, e que necessariamente se supõe para a verdadeira canonização. E qual é? Que glorifique Deus com a honra da canonização, depois da morte, aos que também honraram e glorificaram a Deus com as obras da vida. Para inteligência fundamental deste ponto em matéria tão grave, e para que não imagine alguma erudição menos douta que a Roma cristã seguiu o erro e vaidade da Roma gentílica, com que por autoridade do seu Senado decretava as honras divinas, e canonizava os Numas e os Augustos, é necessário saber qual foi a origem donde as chaves de S. Pedro tomaram a imitação de estabelecer na terra o que tanto depende do céu. Seja, pois, a primeira conclusão certa e infalível, que a Igreja e lei nova neste sagrado rito de canonizar imitou a lei e Igreja antiga, a qual canonizou muitos varões ilustres em santidade, assim da mesma lei escrita, como da natural. Consta do capítulo quarenta e quatro do Eclesiástico, que começa: Laudemus viros gloriosos in generatione sua[3] – e assim o definiu o Papa Inocêncio no primeiro capítulo De Reliquis et Veneratione Sanctorum, onde dá e declara a razão por estas palavras: Per hoc, quod dicit, laudemus viros gloriosos, ostendit quod canonizati erant, quis alias non mandaretur Ecclesiae, quod eos laudaret. – Quer dizer canonicamente, que, em mandar a Sagrada Escritura à Igreja que louve aqueles varões, mostra que eram canonizados por santos, porque doutra sorte não os mandaria louvar, nem lhes chamaria gloriosos.

Mas porque este nome glorioso se pode entender ou passivamente, da glória com que foram glorificados por Deus depois da morte, ou ativamente, da glória com que eles glorificaram a Deus na vida, do mesmo texto se colhe manifestamente que se entende, não da primeira glória com que Deus foi glorificador deles, senão da segunda com que o mesmo Deus foi glorificado por eles. Isto significa aquele aditamento: Gloriosos in generatione sua: gloriosos na sua vida, e no tempo que viveram e floresceram neste mundo – e se confirma com evidência na combinação de um e outro tempo, porque o livro do Eclesiástico, que contém o catálogo daqueles canonizados, como consta de S. Jerônimo, e de todas as cronologias, foi escrito em tempo de Ptolomeu e dos Setenta Intérpretes, coevos a Alexandre Magno, e os mesmos canonizados floresceram muitos séculos, e ainda mil anos antes, como Enoc, Noé, Abraão, Isac e Jacó, Moisés, e os demais que ali se nomeiam. Logo, foram canonizados por santos, não pela glória com que Deus os canonizou e glorificou depois da morte, senão pela glória com que eles serviram e glorificaram a Deus na vida: Gloriosos in generatione sua.

Daqui se inferem duas conseqüências muito dignas de ser notadas. A primeira, que no tempo da lei escrita, para serem canonizados os santos, não era necessário que fossem bem-aventurados e estivessem no céu, porque antes da morte de Cristo ninguém entrou no céu, e, contudo, Enoc, Noé, e os demais, não estando nem podendo estar no céu, foram canonizados. A segunda, que no tempo da lei da graça é necessário que primeiro estejam no céu, e sejam bem-aventurados, mas que não basta isso para merecerem a canonização, porque à glória da bem-aventurança, com que Deus os glorifica depois da morte, é necessário que preceda a glória das boas obras insignes, com que eles glorifiquem a Deus na vida. E da certeza desta doutrina se entenderá a verdadeira resposta de uma questão curiosa, mais dos canonistas que dos teólogos.

Perguntaram se um menino que morreu depois do batismo pode ser canonizado, ainda no caso em que o mesmo Sumo Pontífice o batizasse? Parece que sim, porque a inocência daquele menino não é capaz de pecado atual: o original já está extinto pelo batismo; do batismo e intenção não pode duvidar o mesmo Pontífice; logo, não pode deixar de crer que está no céu, e é bem-aventurado; logo, pode-o canonizar; contudo, resolvem não só os doutores, senão os mesmos Sagrados Cânones, que não pode ser canonizado, porque, pela pressa venturosa com que o recém-batizado voou ao céu, não teve tempo para fazer obras, e muito menos insignes, com que glorificasse a Deus, e Deus não dá a glória da canonização a quem lhe não deu a da vida, e só glorifica com este testemunho de santidade aos que o glorificaram com ela.

Finalmente, para fechar este discurso não menos que com as chaves de S. Pedro, nem em outra canonização, senão na mesma de S. Francisco Xavier, na Missa em que a Santidade de Gregório Décimo-Quinto pronunciou solenemente o seu nome como de santo, começou assim a oração: Deus, qui glorificantes te glorificas: Deus, que glorificais aos que vos glorificam. – Oh! invocação divinamente inspirada em tal dia e em tal ato! Não diz Deus misericordioso, nem Deus onipotente, ou Deus doutro modo justo, senão, Deus, que glorificais aos que vos glorificam. E neste breve oráculo da suprema autoridade declarou a Igreja que na canonização glorificava Deus a Xavier, e que a razão de o glorificar era porque Xavier o tinha glorificado com suas obras, que é a conclusão do Evangelho, e o fundamento expresso do nosso tema. Ut videant opera vestra bona, et glorificent Patrem vestrum, qui in caelis est.

§ III

O título por que se deve singularmente a Xavier a glória da canonização. Que comparação têm as glórias da Igreja, tão decantadas por Davi, com a multidão de glórias com que um só Xavier glorificou imensamente a mesma Igreja, e nela a Deus. Xavier e o semeador evangélico. O novo gênero de baldões com que era apupado Xavier.

Suposto, pois, que glorificar Deus a S. Francisco Xavier, com o colocar canonicamente no catálogo dos santos, foi em prêmio de o mesmo santo ter glorificado a Deus com as obras de sua vida; leiam-se agora todos os anais sagrados e eclesiásticos, e sem temeridade nem encarecimento se pode afirmar que singularmente foi devida por este título a glória da canonização a Xavier. E por quê? Porque ele sem controvérsia estendeu a glória do mesmo Deus e de sua Igreja pelo mundo, mais que nenhum outro, como a mesma Igreja confessa. E senão, apareça ou haja quem o nomeie. Viu Davi com os olhos proféticos a glória da futura Igreja de Cristo, que é a Católica, mais amada dele que todos os tabernáculos de Jacó: Diligit Dominus portas Sion super omnia tabernacula Jacob[4] – e, falando com a mesma Igreja debaixo do nome de Sião, diz-lhe assim: Gloriosa dicta sunt de te, civitas Dei (SI. 86, 3): Mui gloriosas coisas se contam e cantam de vós, ó cidade de Deus! – E que coisas gloriosas são estas não o dizem os expositores, senão o mesmo Davi: Memor ero Rahab et Babylonis, scientium me; ecce alienigenae, et Tyrus, et populus Aethiopum, hi fuerunt illic[5]: As coisas gloriosas que digo de vós, ó cidade de Deus, é que vejo dentro dos vossos muros a Jericó significada em Raab, e a Babilônia, e a Tiro e Etiópia e outros gentios. – Bem está, profeta santo, e vedes porventura entre esses gentios um homem de melhor cor que eles, mal vestido em uma roupeta preta, com os pés muitas vezes descalços, e com um crucifixo na mão pregando? Não. Pois, adiantai mais a vista profética, e quando virdes este homem, que se chama Francisco Xavier, vereis também que já a cidade de Deus se habita sem muros porque não cabe nela a multidão das gentes: Absque muro habitabitur Jerusalem, prae multitudine hominum[6]. – Então, com excesso de glória sem número nem medida, por uma Jericó vos darei um Moçambique, um Melinde, um Socotorá, um Bassorá, um Ormuz, um Diu, um Damão, um Baçaim, um Chaul, um Meliapor, um Jafanapatão, um Macau. Por uma Babilônia, quê? Não vos darei Goa, nem Malaca, nem Sumatra, que é a Aurea Quersoneso, nem também Meaco, cabeça de sessenta e seis reinos no Japão, nem Agrá, metrópole de todo o império do Grão-Mogor, senão Tunquim, ou Panquim somente, maior cada uma delas que quatro Babilônias. Por Tiro, já não quero dar cidades, senão reinos: Cananor, Calecut, Cranganor, Cochim, Porcá, Travancor, Narcinga, Bengala, Pegu, Sião, Chamfá, Cochinchina. Finalmente, pela Etiópia, de quem já dei parte, sendo ela um canto da África, vos dou toda a Ásia. E que comparação têm aquelas glórias da Igreja, tão decantadas por Davi, com esta glória ou multidão, de glórias com que um só Xavier glorificou imensamente a mesma Igreja, e nela a Deus?

Mas nesta mesma diferença há outra mais notável, que se não deve passar em silêncio. Naquelas glórias tão celebradas: Gloriosa dicta sunt de te[7] – o que nota Davi, como coisa memorável, é que Jericó e Babilônia tivessem conhecimento e ciência de Deus: Memor ero Rahab et Babylonis, scientium me. – E quanto a esta ciência de Deus se há de advertir que em todas as cidades, reinos e nações que nomeei, nos quais semeou Xavier mais ou menos imediatamente a mesma ciência, não foi com os mesmos efeitos. Foi bem assim como o trigo do semeador evangélico, que parte caiu em boa terra, parte entre espinha, e parte sobre pedras duras. De maneira que daqueles gentios uns ficaram totalmente convertidos, outros somente convencidos, e os demais, posto que nem convertidos, nem convencidos, todos, porém, alumiados com o conhecimento do verdadeiro Deus, e com a ciência do nome, que nunca tinham ouvido. Os totalmente convertidos, que se batizaram e fizeram cristãos, não só se contaram a milhares, senão a milhões. E houve dia em que Xavier batizava lugares e povos inteiros. Os convencidos somente foram muitos brâmanes e maometanos, que em disputas particulares conheceram e confessaram que a fé e religião cristã era a verdadeira, mas que por crédito do que até então tinham ensinado, e por não perderem os emolumentos de que viviam, não se atreviam à pública confissão e profissão dela. E os demais, posto que não convertidos nem convencidos, nem por isso escaparam de ficar ao menos alumiados, e saberem, grandes e pequenos, que o pregador europeu chamado Xavier, pregava outro Deus diferente dos seus, a que chamavam o verdadeiro, e muitos o criam e adoravam por tal. Com estes, pois, sucedeu ao santo um caso singular e sem semelhante na memória dos homens.

Como as seitas e deuses do Oriente eram tantos, camis, fotoquês, xacas, amidas, e muitos outros, para que o nome do verdadeiro Deus se não equivocasse com o dos falsos, ainda que Xavier pregasse em diferentes línguas, sempre o nomeava na língua portuguesa, e lhe chamava Deus. Com a mesma cautela, e pela mesma razão, mandou o mesmo Deus pelo profeta Oséias que ninguém lhe chamasse Senhor com o nome de Baalim: Non vocabit me ultra Baali (Os. 2, 16). – E por quê, se Baali quer dizer Senhor, e o nome de Senhor é tão próprio de Deus? Porque os ídolos chamavam-se Baalim, e não queria Deus que o nome dos ídolos se equivocasse com o seu: Et auferam nomina Baalim de ore ejus[8]. – Tendo Xavier, com este divino exemplo, usado prudentissimamente da mesma cautela, sucedeu-lhe que, caminhando pelas estradas ainda do campo, assim como os meninos de Betel zombaram de Eliseu, chamando-lhe calvo: Ascende calve, ascende calve[9] – assim os meninos, filhos dos idólatras, por zombarem dele, lhe chamavam por injúria Deus, Deus, Deus. De sorte que era tão conhecido o Deus que pregava Xavier, e o mesmo Xavier que o pregava, que até os meninos do campo, e filhos dos rústicos o sabiam; e para que falemos também à rústica apupavam o pregador com o nome do mesmo Deus que pregava. E que fazia Xavier, ouvindo este novo gênero de baldões? Eliseu amaldiçoou os outros meninos, e fez sair do mato dois ursos, que mataram mais de quarenta deles. Porém, Xavier, que não era do espírito de Eliseu[10], compadecia-se por uma parte daquela cegueira, e alegrava-se por outra, e dava o parabém ás suas injúrias, pois eram ocasião de que Deus fosse nomeado. Sabendo S. Paulo que seus inimigos, para o caluniarem, à volta de falarem mal dele, falavam também em Cristo: Falem embora – dizia – que, contanto que Cristo seja nomeado, e o seu nome ouvido e conhecido, por qualquer modo ou ocasião que seja, eu me alegro e alegrarei sempre: Dum omni modo, sive per occasionem, sive per veritatem, Christus annuntietur: et in hoc gaudeo, sed et gaudebo (Flp.1,18). – Da mesma sorte se alegrava Xavier de ver conhecido, e ouvir nomeado a Deus, posto que à volta das injúrias de ambos, podendo dizer com maior propriedade que nenhum outro: Opprobria exprobrantium tibi ceciderunt super me (SI. 68, 10): As injúrias dos que vos desprezam e afrontam cairão sobre mim. – Oh! homem, o mais venturoso de todos os homens, e mais honrado nas tuas afrontas que nos teus louvores, pois quando mais te querem afrontar te chamam Deus. Deus, Deus, Deus.

§ IV

Quão pomposamente evangelizava Isaías à presente Igreja as glórias de Deus e suas. Concordância entre o tema do profeta e o tema do pregador Por que razão as primícias da fé de toda a gentilidade não foram do ocidente, senão do Oriente? Isaías e a missão dos portugueses no Oriente.

Assim era Deus glorificado por Xavier, e nomeado onde pouco antes se lhe não sabia o nome, e conhecido dos que ainda não acabavam de o conhecer. Mas, passando destes embriões à multidão infinita dos já informados com a alma da fé, não deixemos de ouvir a Isaías quão pomposamente evangelizava à presente Igreja estas glórias de Deus e suas: Surge, illuminare, Jerusalem (Is. 60, 1): Levanta-te, alegra-te, triunfa, veste-te de gala, e acende luminárias, ó Jerusalém, ó Igreja Católica! E por que razão? Coisa certamente maravilhosa! O tema do profeta é o meu tema, o seu assunto o meu assunto, a sua prova a minha prova, e até o seu expositor o meu. O meu tema começa em luz: Sic luceat lux vestra – e acaba em glória de Deus: Ut glorificent Patrem vestrum, qui in caelis est; e o seu tema começa em luz: Quia venit lumen tuum[11] e acaba em glória de Deus: Et gloria Domini super te orta est[12]. – O meu assunto é a glória que resultou a Deus da conversão da gentilidade e seus reis, por meio da mesma luz, e o seu assunto é a mesma glória de Deus, pela mesma causa e pelos mesmos efeitos: Gloria ejus in te videbitur. Et ambulabunt gentes in lumine tuo, et reges in splendore ortus tui[13]. – A minha prova é o exemplo de Xavier no mesmo Oriente. E ser também o seu expositor o meu, se verá em seu lugar.

Começa, pois, Isaías pela adoração dos reis do Oriente: Vidimus stellam ejus in Oriente, et venimus adorare eum[14] – que assim entende e canta a Igreja as palavras do mesmo Isaías, que logo se seguem: Omnes de Saba venient, aurum et thus deferentes[15] – com todo o aparato de camelos e dromedários do trem dos três Reis Magos. Na qual jornada ou embaixada não posso deixar de admirar muito uma preferência notável. Esta adoração e ofertas dos Reis do Oriente foram as primícias da fé de toda a gentilidade , que depois se havia de converter, como celebram todos os santos padres, sem exceção de um só. E por que razão as mesmas primícias não foram do Ocidente, senão do Oriente? Por que não saíram da Europa, ou da África, senão da Asia? Por que as não mandou Roma, que já era cabeça do mundo, senão a índia, naquele tempo mal conhecida? Porventura porque a Ásia era a parte do mundo que foi primeiro povoada, pois as outras não se povoaram senão depois da divisão da torre de Babel, daí a mil e setecentos anos? Porventura porque na mesma Ásia, como Membrot foi o primeiro rei, assim Nino foi o primeiro idólatra, e donde os homens começaram a adorar paus e pedras era bem que os primeiros tributos e as primeiras adorações se consagrassem ao Deus verdadeiro? Porventura porque esta preferência competia à Ásia pela grandeza, opulência e majestade de seus impérios, e primeiras monarquias? Por qualquer destas razões, ou por todas juntas, podia mui bem ser que merecesse esta preferência a Ásia. Mas o que eu pondero, e muito se deve admirar, é que assim como para levar estas ofertas e primícias ao verdadeiro Deus escolheu entre todas as partes do mundo a Ásia, assim para o cumprimento e complemento delas, depois de tantos séculos, escolhesse entre todos os homens a Xavier. As ofertas e as primícias foram treze dias depois do nascimento de Cristo, e no primeiro ano dele, e o cumprimento das mesmas primícias foi mil e quinhentos e quarenta anos depois. E que tantos séculos esperasse Deus pelo nascimento e missão de Xavier, para que o seu apostolado lhe desse esta glória! Grande glória de tal homem! Mas o que parece mais conforme à igualdade da providência divina, é que a quis repartir entre o Oriente e o Ocidente, de tal maneira que do Oriente fossem as primícias, e do Ocidente, e da parte mais ocidental do mesmo Ocidente, que é Lisboa, viesse aquele que havia de cultivar toda a seara, e recolher nos celeiros da Igreja toda a messe, de que as mesmas primícias foram somente três espigas. Assim o diz imediatamente o mesmo Isaías, depois da história ou profecia dos três Reis, para que ele fosse o texto, como prometi, e ele o expositor. Atenção agora.

Qui sunt isti qui ut nubes volant? Me enim insulae expectant, et naves maus in principio, ut adducam filios tuos de longe (Is. 60, 8 s): Quem são estes – diz Deus – que voam como nuvens? Porque há muito tempo, ó Igreja minha, que as ilhas e terras ultramarinas me esperam a mim, e esperam as naus do mar no princípio, para que eu te traga muitos filhos teus de longe. – Primeiramente, diz Deus que as ilhas e terras ultramarinas havia muito tempo que esperavam. Por isso o mesmo Isaías, noutro lugar, chama aos moradores delas gentem expectantem expectantem[16]_ com esta repetição, que significa esperanças mui compridas e dilatadas, quais foram as dos quinze séculos ou mil e quinhentos anos que se contaram desde a vinda dos Reis do Oriente ao presépio, até serem alumiadas com a luz do Evangelho as ilhas do imenso arquipélago, e terras remotíssimas do mesmo Oriente. Diz mais que também esperavam pelas naus do mar no princípio: Et naves mares in principio. – E quais são as naus do mar no princípio? É pasmo ler a variedade de exposições que dão a estas palavras os comentadores, assim antigos – de que me não admiro – mas também os modernos, sendo a coisa mais clara e evidente de quantas viu e sabe o mundo. Quais são as naus do mar no princípio, senão as naus dos portugueses, que foram as que deram princípio à navegação do Oceano, e por mares nunca dantes navegados, passaram ainda além da Taprobana, e que são manifestamente as ilhas do arquipélago indico, que esperavam: Me insulae expectant – e, por meio das quais naus, trouxe Deus, e fez filhos da Igreja as nações dos mais remotos longes do mundo: Ut adducam filios tuos de longe? – O nosso grande hebraico Foreiro traz aqui uma versão tirada do texto hebreu: Naves mares cum primaria, seu proetoria: As naus do mar com a sua capitânia- o que acrescenta uma particular circunstância da navegação de Xavier, porque ele se embarcou para a índia na capitânia do ano de mil e quinhentos e quarenta e um, com o governador Martim Afonso de Sousa, nau insigne na sua viagem, por levar o santo a Moçambique, e insigne na sua perdição, por lha profetizar o mesmo santo, antes de chegar à índia.

Finalmente, admirado o profeta, pergunta: Quem são estes, que nessas naus vão voando para o Oriente como nuvens: Qui sunt isti qui ut nubes volant? – Usa do número plural, falando de Xavier, porque ele levava consigo dois companheiros, Paulo Camerino, italiano, e Francisco Mansias, português. E por que os compara às nuvens? Admiravelmente o mesmo santo deste dia, S. Gregório Papa: Praedicatores sancti nubes appellati sunt, qui verbis pluunt, miraculis coruscant[17]: Os pregadores apostólicos e santos são comparados às nuvens, porque as nuvens têm dois efeitos, a chuva e os trovões. A chuva é a doutrina do céu, com que regam e fertilizam a terra: Verbis pluunt – e os trovões são os milagres, com que assombram o mundo: Miraculis coruscant. – Só lhe faltou a S. Gregório nomear a S. Francisco Xavier; mas o que não pode fazer o Papa Gregório Primeiro por escrever mil anos antes, fez ultimamente o Papa Inocêncio Undécimo, nomeando a Xavier, e atribuindo a conversão do Oriente, com que reduziu à fé de Cristo as gentes orientais, não a outra eficácia ou propriedade de meios, senão aos mesmos dois da pregação e milagres. Assim o disse e mandou rezar em toda a Igreja na nova missa, e singular entre todos os santos com que decretou fosse celebrado o nosso: Deus, qui India a gentes beati Francisci praedicatione et miraculis Ecclesiae tuae aggregare voluisti: Deus, cuja vontade se dignou de trazer ao grêmio da Igreja as gentes das índias, por meio da pregação e milagres de S. Francisco Xavier. – Onde se devem notar muito aquelas palavras praedicatione et miraculis. Praedicatione: pela pregação e doutrina do céu, com que primeiro regou aquelas terras e batizou aquelas gentes: Verbis pluunt. E miraculis, pela multidão de prodigiosos e estupendos milagres, com que confirmou a fé que pregava, e assombrou como com trovões aquele novo mundo: Miraculis coruscant -merecendo em tal dia, como hoje, a glória da canonização na terra, pelas obras tão gloriosas, com que tinha glorificado ao Deus do céu: Ut videant opera vestra bona, et glorificent Patrem vestrum, qui in caelis est.

§V

A glória de Deus e a glória dos homens. A glória dos homens e o último vício de que se despem os sábios. Como conciliar a glória de Deus com a nossa? As exortações de S. Paulo a seu discípulo Timóteo. Os disfarces e desvios com que Xavier divertia, apartava e lançava de si quanto nele podia resplandecer de glória, para que toda e só fosse de seu Senhor.

Temos visto como Deus glorificou ao nosso santo com a glória da canonização, porque ele glorificou a Deus com a das suas obras. Mas, sendo elas tão gloriosas, tudo o que até agora dissemos não foi mais que o cantochão desta solfa, e não por motivo algum de fora, senão pelo mais interior do nosso tema, o qual nos obriga a subir a um ponto tanto mais alto quanto mais dificultoso: Sic luceat lux vestra coram hominibus. Há uns santos que vivem só com Deus, outros que vivem com Deus e com os homens. Os que vivem só com Deus, como os anacoretas e ermitães do deserto, metidos nas suas covas, só porque tratam com Deus, que em secreto vê as suas penitências, e em secreto ouve as suas orações, nenhuma ocasião ou estorvo têm para não dar a Deus toda a glória, que a ele só é devida. Mas os que por instituto e profissão, como Xavier, vivem com Deus e com os homens, nos olhos dos mesmos homens, que vêem as suas obras: Ut videant opera vestra bona – trazem sempre consigo uma fortíssima tentação de querer ou tomar para si a glória delas.

A inclinação mais natural, mais viva, e que mais fortes e profundas raízes tem lançado na natureza humana é o desejo ou apetite da glória. Aristóteles lhe chamou ao homem animal gloriosum. E Tácito, mais versado nas políticas do mundo que nas do espírito, disse que este é o último vício de que se despem os sábios: Gloriae cupiditatem etiam sapientibus novissimam exui[18]. – E já Platão tinha dito pela mesma frase, que era a última túnica de que se despiam as almas[19]. Posto que, em dizer que as almas se despiam, disse mais do que devera, porque, sendo elas imortais, e os cadáveres mortos, não só nos gentios, senão também nos c0ristãos, vão com eles amortalhadas à sepultura. Assim o pregou mais sabiamente que todos S. João Crisóstomo: Cum reliquia viga una cum morte dissolvantur, superbia post mortem omni conatu in ipso cadavere contendit naturam suam prodere[20]. – E se não, digam-no tantas testemunhas de mármore, em que o mesmo apetite de fazer imortal a glória, ou fabrica em vida, ou manda fabricar depois da morte, os soberbos sepulcros, e escrever ou gravar neles com letras de bronze os gloriosos epitáfios. Mas, passando dos que servem à vaidade aos que professam a virtude, quantos vimos, ainda com opinião de santos, que, depois de vencerem os outros vícios, se deixaram vencer miseravelmente da mesma glória de os ter vencido? Quantos pisaram animosamente o mundo, e depois de o meter debaixo dos pés, os derrubou e pisou a eles a mesma glória de o ter pisado? São como os que pisam a planta de Noé nos lagares, e, bebendo depois o licor do que pisaram, perdem como o mesmo Noé o juízo.

Os mais sisudos dizem a Deus: Non nobis, Domine, non nobis, sed nomini tuo da gloriam (SI. 113, 1): Não a nós, Senhor, não a nós, senão ao vosso nome dai a glória. – Com muita razão repetem outra vez o non nobis, porque se não fiam do primeiro; e, enquanto a boca está dizendo não, pode ser que o coração e a consciência o esteja negando. Como nas obras gloriosas vai a glória de Deus junta com a nossa, que sucede? Ou que tiremos ao non nobis o non, e roubemos a Deus a sua glória, e a façamos nossa, dizendo ele: Gloriam meam alteri non dabo[21] – ou, quando menos, querendo que Deus e nós entremos à mesma glória de meias. Isto é o que fazem os mais timoratos, partindo pelo meio aquele nomini tuo da gloriam, isto é, deixando para Deus a glória, e tomando para nós o nome. Se pregamos, a glória para Deus, mas para nós o nome de grande letrado; se fazemos obras de misericórdia, a glória para Deus, mas para nós o nome de caritativo; se nos mortificamos e jejuamos, a glória para Deus, mas para nós o nome de abstinente; finalmente, se exercitamos quaisquer virtudes, ou todas, a glória para Deus, mas para nós o nome de virtuoso e santo. E, como Deus também conhece a fraqueza de barro de que nos formou, para condescender de algum modo com este nosso apetite de glória, vede o meio que tomou no nosso mesmo texto: Ut glorificent Patrem vestrum qui in caelis est: Para que glorifiquem, e seja glorificado o vosso Pai que está no céu. – E por que não disse: para que seja glorificado Deus, senão para que seja glorificado vosso Pai? Já S. Bernardo notou que quis Deus conciliar a sua glória com a nossa, quando nos mandou dizer por S. Paulo: Qui gloriatur, in Domino glorietur[22]. – E assim diz o Senhor: Para que seja glorificado vosso Pai: Pater vester – para que como filhos herdeiros da sua glória nos contentemos com ela, como também nossa. Mas isto não bastou, nem basta, porque em matéria de glória, se há pai por filho, não há filho por pai. Absalão tirou a coroa da cabeça de seu pai para a pôr na sua, e Alexandre ouvia com raiva e lágrimas as vitórias de Filipe de Macedônia, porque não queria a glória delas para seu pai, senão para si.

Isto que fizeram com escândalo os maus filhos aos pais da tetra, fazem pelo contrário com dobrado primor os bons servos ao Pai do céu, não debaixo do nome de Pai, para maior desinteresse, senão debaixo do nome de Rei e Senhor, para que a glória inteira, e sem diminuição, assim como ele só é Deus, seja ela somente sua É o oráculo famoso do apóstolo S. Paulo, de quem o tomou a Igreja, e repete todos os dias: Regi saeculorum immortali et invisibili, soli Deo honor et gloria[23] – E exortando o mesmo apóstolo a seu discípulo Timóteo a perfeita observância deste ato de religião e fidelidade diz assim: Hoc praeceptum commendo tibi, fili Timothee, secundum praecedentes in te prophetias, ut milites in illis bonam militiam (1 Tim. 1, 18): Este preceito, de dar toda a glória a Deus, como a teu rei, te encomendo muito, ó filho Timóteo, guardes como bom e honrado soldado, segundo as tuas precedentes profecias. – Estas profecias, que se chamam precedentes, porque precederam a conversão de Timóteo, dizem S. Crisóstomo, Teodoreto, Teofilato, e Ecumênio, foram duas revelações, uma que teve S. Paulo, outra o mesmo Timóteo, de que Deus o tinha escolhido para companheiro do Apóstolo das Gentes, como verdadeiramente o foi fidelíssimo e zelosíssimo nas peregrinações e trabalhos, que ambos padeceram pela conversão da gentilidade. Da mesma maneira teve S. Francisco Xavier duas profecias precedentes, uma estudando em Paris, antes de entrar na Companhia, outra estando já nela, antes de partir nem ser eleito para a missão do Oriente. A primeira, quando Deus revelou a Soror Madalena de Jasso, religiosa de grande virtude em Gândia, que seu irmão D. Francisco havia de ser um grande apóstolo da índia; a segunda, quando em sonhos representou ou presentou ao mesmo Xavier a batalha daquele índio agigantado, de cuja luta entre os braços, e peso sobre os ombros, depois de acordado ficava tão quebrantado, como não podia deixar de ser, segundo a imensidade dos trabalhos futuros, que também lhe mostrou dormindo.

Mas por que encomendava tanto S. Paulo a Timóteo que, segundo as suas profecias, militasse como bom soldado: Ut milites in illis bonam militiam – referindo toda a honra e glória da sua milícia, não a si, senão só a Deus e a Deus como Rei: Regi saeculorum immortali et invisibili, soli Deo honor et gloria? – Porque os generosos e fiéis soldados e capitães, toda a glória das suas façanhas e vitórias a devem renunciar de sua parte, e não a querer para si, e para sua fama e honra, senão inteiramente para o rei, a quem servem. Isto é o que fez entre os hebreus Joab, no memorável cerco da insigne cidade de Rabat, que tinha rendido, reservando o nome da vitória para Davi: Ne nomini meo adscribatur vitoria[24] – E isto, entre os romanos, Germânico, no troféu que levantou sobre um monte de armas, depois das germânicas domadas e sujeitas ao império, dedicando o mesmo troféu, depois dos deuses, a Augusto, sem menção alguma do seu próprio nome, como notou Tácito: Congeriem armorum struxit superbo cum titulo, et cum ea monumenta Augusto sacravisset, de se nihil addidit[25].

E que direi eu agora do nosso famoso capitão? Direi porventura que assim o fez? Não farei tamanha injúria a Xavier. A ação de Joab, se não foi lisonja, foi cortesia; a de Germânico pareceu modéstia, e pode ser demasiada presunção, como não deixou de morder o mesmo Tácito; mas ambos eles por este rodeio, sendo público, negociaram maior glória, porque de homem a homem a glória maior é de quem a dá. E que excesso de glória, como dar vitórias a Davi, e troféus e triunfos a Augusto? Não assim o grande Xavier, que da glória devida a seu Senhor nem um átomo quis para si. Tomou do oráculo de S. Paulo o atributo de invisível: Regi saeculorum immortali et invisibili – e, para proporcionar a glória ao Rei invisível, quis-lha também dar invisivelmente. E de que modo? Fazendo com tal cautela todas as obras gloriosas, que os olhos que as viam não vissem que eram gloriosas nem suas.

Quando o santo na índia ressuscitou o primeiro morto, tocando-lhe na matéria o mais doméstico e familiar amigo, rindo-se ele muito, e lançando a coisa a graça, o que respondeu foi: – O pobre homem estava vivo, e estes gentios, como ignorantes e boçais, cuidavam que morrera. – É o que disse Cristo, quando ressuscitou a filha do arqui-sinagogo: Non est mortua puella, sed dormit[26]. – Quando era chamado de muitas partes para acudir a enfermos e endemoninhados, a que não podia satisfazer por sua pessoa, dava as contas ou a cruz que trazia sobre o peito aos meninos da doutrina, dizia-lhes que a rezassem, ou só o Credo, sobre os molestados, e bastava esta diligência dos mensageiros, em virtude das relíquias que levavam, para que os demônios fugissem, e os doentes recebessem saúde. Porém, quando Xavier dava conta a seu padre Santo Inácio do muito que Deus favorecia aquela nova cristandade, e referia esta e outras maravilhas, sempre calava a parte que nelas tinham as suas relíquias, e dava todo o merecimento à inocência dos meninos, como Cristo fazia à fé dos que ele sarava: Fides tua te salvum fecit[27]. – Quando escrevia – e escrevia freqüentemente – a Roma, a Paris, a Portugal, a todos seus irmãos, os religiosos da Companhia, pedia com grandes e verdadeiras instâncias o ajudassem e favorecessem com suas orações, para que por seus pecados se não impedisse o fruto das almas; e quando recebia as respostas, em que lhe prometiam de o fazer, cortava das cartas as firmas e nomes de todos, e os trazia consigo, como testemunho e escrituras autênticas de que, por merecimentos deles, e não seus, se obravam os milagres. Cristo dizia: In nomine meo daemonia ejicient, serpentes tollent, super aegros manus imponent, et bene habebunt[28] – e Xavier, quando obrava todos estes prodígios, pela parte que lhe podia tocar, não era debaixo do seu nome, senão dos nomes alheios, com que se armava contra si, e os não dissimulava.

De sorte que com estes disfarces e desvios, já negando artificiosamente, já escolhendo, já desfazendo, já atribuindo a outrem, sempre, e em tudo o que obrava – com maior escrúpulo que se as virtudes fossem pecados, e com maior medo que se os milagres fossem delitos – divertia, apartava e lançava de si o fidelíssimo servo quanto nele podia resplandecer de glória, para que toda e só fosse de seu Senhor: Soli Deo honor et gloria. – E porque a virtude de Xavier era mui alheia de todas aquelas afetações e cerimônias tristes, e de todos aqueles blocos e carrancas mascaradas, com que a santidade fingida se enfeita, e se faz mais medonha que venerável, e o seu trato todo era humano, benévolo, alegre e aprazível, não fugindo dos homens, nem estranhando suas fraquezas – porque mal pode curar as chagas quem se afasta delas, nem são os que hão mister o médico os sãos, senão os enfermos. – E porque o modo mais divino de converter pecadores, a exemplo do mesmo Deus, é fazer-se semelhante a eles, para os fazer semelhantes a si, esta mesma semelhança, que Xavier tinha com todos, lhes fazia crer que era como os demais, e que de um procedimento tão comum e ordinário não se podiam esperar efeitos tão prodigiosos, e sobre todo o curso da natureza. Assim, que estas propriedades naturais da verdadeira virtude eram os mais evidentes disfarces com que rebatia de todas as suas obras a opinião de divinas, quando suas, ou de suas, quando divinas, para que os olhos dos homens, enganados com a mesma verdade, e encoberto o invisível debaixo do que viam, não a ele, senão a Deus referissem toda a glória: Ut videant opera vestra bona, et glorificent Patrem vestrum qui in caelis est.

§ VI

O honrado aperto em que o louvor e a glória têm metido a Xavier, e parece que tomado às mãos. Como pode ser que o louvor e a glória não fosse também de Xavier, senão toda de Deus? A sutileza engenhosa com que a humildade de Xavier, não só não buscando ele a glória, mas buscando-o a glória a ele, nunca a mesma glória o pôde achar o exemplo de São Pedro e de São João. De que modo há de luzir a nossa luz? Os macabeus e os reflexos dos escudos dourados.

Invisíveis por este modo as ações de Xavier, posto que de dia, e entre as gentes, eram muito parecidas às famosíssimas esmolas daquele, por isso tão celebrado herói, que ele só, e de noite as levava: de noite, para que as não descobrisse a luz; e só, para que as não vissem os olhos. Mas isto mesmo por um e outro lado parece que se opõe e contradiz manifestamente assim ao nosso santo como ao nosso tema, no qual Cristo lhe encomenda luz e olhos; luz: Sic luceat lux vestra coram hominibus – e olhos: Videant opera vestra bona. – Pois, se a luz há de alumiar os olhos dos homens, e os olhos hão de ver as boas obras, e a luz é sua: luz vestra – e as obras também suas: opera vestra – como pode ser que o louvor e a glória não fosse também sua, senão toda de Deus: Ut glorificent Patrem vestrum? – Não tenho por dificultoso livrar a Xavier deste honrado aperto, em que o louvor e a glória, de que foge, o tem metido, e parece que tomado às mãos.

Ponhamo-nos primeiro de noite, depois de dia, em uma formosa galeria, ornada nas paredes de quadros de insignes pinturas, e no pavimento a espaços assistida igualmente de estátuas famosas, e mármores que pareçam vivos. De noite nenhuma coisa vemos, porque a mesma noite lhes roubou as cores: Rebus nox abstulit atra colorem[29]. – De dia, em amanhecendo, pelo contrário, o sol entrando pelas janelas lhes restitui outra vez a cor perdida: Rebusque jam color redit vultu nitentis sideris[30]. – Agora, pois, que já vemos o que não aparecia, que é o que louvamos? Porventura louva alguém a luz? Ninguém: todos louvam as pinturas e as estátuas, e nas pinturas o pincel de Apeles, ou nas estátuas o cinzel de Fídias; enfim, todos louvam as obras e os autores delas, mas ninguém louva a luz, sem a qual se não viam, e com a qual agora se vêem. Logo, bem podia luzir a luz de Xavier entre os homens: Sic luceat luz vestra coram hominibus – sem ele, ainda que mandado, querer ou esperar deles algum louvor.

Quanto às obras vistas pelos mesmos homens que eram suas, e ele o autor delas: Ut videant opera vestra bona – aqui parece que era sobre dificuldade implicância haver de divertir ou apartar de si, como fazia, o louvor e glória que queria fosse toda e só de Deus. Mas nas mesmas palavras opera vestra bona temos a soltura deste nó, que parece gordiano, porque ou o vestra desfaz o bona, ou o bona desfaz o vestra. Se as obras eram boas, diz Xavier, não eram minhas; e se eram minhas, não eram boas – porque o bem e bondade de todas as obras, ainda que nós sejamos o instrumento delas, não é nosso, senão de Deus, sumo bem e autor de todo o bem. – Logo, a Deus, e não a mim, pertence o louvor e glória das obras chamadas minhas: Ut videant opera vestra bona, et glorificent Patrem vestrum qui in caelis est.

Esta é a sutileza engenhosa com que a humildade de Xavier, não só não buscando ele a glória, mas buscando-o a glória a ele, nunca a mesma glória o pôde achar. Mas, ainda que no seu ânimo nenhum embaraço fazia este encontro, nos olhos dos homens, que viam as obras, não podia ser assim. Ponhamos o exemplo nos dois maiores apóstolos. Quando S. Pedro e S. João sararam milagrosamente aquele aleijado de ambos os pés, que pedia esmola à porta do Templo, nele e na multidão dos que se acharam presentes foram muito diferentes os efeitos que o mesmo milagre causou visto. O pobre, que com a saúde recebera juntamente a fé, saltando dava louvores a Deus: Exiliens, et laudans Deum (At. 3, 8): a Deus louvava, e não aos apóstolos, como notou aqui S. João Crisóstomo: Non illos, sed Deum, qui per illos ei benefecerat, admiratur -Porém, a multidão de todos os presentes, posto que dentro do templo, não se voltaram para o altar a dar graças e louvores a Deus, mas, atônitos e pasmados, estavam todos com os olhos pregados nos apóstolos. O que vendo S. Pedro, e que a glória que se devia dar a Deus se dava a eles, começou a bradar desta maneira: Viri Israelitae, quid miramini in hoc, aut nos quid intuemini (ibid.)? Homens israelitas, que tendes conhecimento de Deus, que é o que fazeis, e o que não fazeis vendo este milagre? Em lugar de pordes os olhos em Deus, cuja é a virtude e o poder, e ele o autor de todos os bens, olhais para nós? – Sim, que isto é o que costumam fazer os olhos humanos: quem os levante a Deus será um, e raro; todos os demais os põem nos homens, e os homens, vendo-se vistos e admirados, senão são tão fiéis como Pedro e João, que lhes doam estas admirações e louvores, e os não leve após si a lisonja e feitiço delas, nos mesmos olhos, de que havia de resultar a glória de Deus, a confundem, abatem, e trocam pela sua. Estes olhos do mundo cego e vão são a Cila e Caribes, onde tem certo o naufrágio a humildade do homem e a glória de Deus, que ambas se embarcam sempre juntas, e juntas, ou se perdem, ou se salvam, sendo a que se salva, rara, e as que se perdem, sem conto.

E por quê? Porque nas palavras sic luceat lux vextra coram hominibus, é raro um Xavier que atine com o canal daquele sic. De tal modo, diz Cristo, há de luzir a vossa luz, que os homens, vendo as vossas boas obras, vos não louvem a vós, senão a Deus. – Sentença verdadeiramente maravilhosa! De maneira que a culpa de não honrarem a Deus os que vêem as obras alheias boas, não está neles, senão naqueles que as fazem, e a causa é, por não luzir a sua luz do modo que deve. E de que modo há de luzir, que ninguém até agora o declarou? Eu confesso que não sei a prática desta matemática divina e sutilíssima, mas a teórica sim. E qual é? Que o luzir da luz não seja por raios diretos, senão oblíquos. Este é, e nisto consiste o fundo daquele sic.

Em uma parte diz Cristo: Ne justitiam vestram faciatis coram hominibus, ut videamini ab eis (Mt. 6, 1): que não façamos as nossas boas obras diante dos homens que sejamos vistos deles – e no nosso texto diz que as façamos de tal sorte diante dos mesmos homens que, vendo-as eles, seja glorificado Deus. Uma e outra coisa pode ser, conforme os raios da luz se encaminharem aos olhos dos que vêem as obras ou por linha reta, ou por linha oblíqua. Se vão por linha reta, sucede o que no espelho, em que os reflexos dos raios visuais tornam para onde saíram, e nos vemos a nós, ou nós somos os vistos, que é o que Cristo proíbe. Mas, se os raios da mesma luz vão aos olhos por linha oblíqua, em lugar de os reflexos tornarem para nós, voltam para trás. Na história dos Macabeus, estava o exército dos gregos em ordem antes da manhã, e tanto que apareceu o sol no Oriente, diz o texto que feriu os escudos dourados, e que com os reflexos da luz resplandeceram os montes: Refulsit sol in clypeos aureos, et resplenduerunt montes ab eis (1 Mac. 6, 39). – Quem é o sol do Oriente senão Xavier? E quais são os escudos doirados, senão os olhos dos homens? Assim feriam os olhos de todos as obras ilustres e gloriosas do grande apóstolo, porém, os reflexos da luz não tornavam para o sol donde saíram, porque não iam por linha reta, mas, reverberados por linha oblíqua, alumiavam e faziam resplandecer os montes; e se os montes, como lhes chamou Davi, são os céus: Levavi oculos meos in montes, unde veniet auxilium mihi[31] – ao habitador desses montes, e ao Pai que está nesses céus, iam parar inteiramente todos os reflexos da glória: Ut glorificent Patrem Patrem vestrum qui in caelis est.

§ VII

O estreitíssimo e rigorosíssimo exame das obras, da vida, e da certa e indubitável santidade de Xavier o tribunal da Sagrada Congregação de Ritos e as causas de canonização. O depoimento de Xavier Defesa do pregador por parte de Xavier Objeções e oposições do Promotor da Fé contra a santidade de Xavier: se Xavier era tão santo, como o podia negar? Se era tão pecador, como o podia crer? Se uma e outra coisa era tão manifestamente contra a verdade, como o podia afirmar licitamente o mestre da mesma verdade?

Este foi o ponto mais subido e mais alto do zelo, da fidelidade e da fineza de S. Francisco Xavier; esta, entre todas as suas obras, a maior obra; esta, entre todas as suas virtudes, a mais pura virtude; este, entre todos os seus milagres, o mais estupendo milagre; e este, finalmente, como no princípio assentamos, o sólido e fundamental merecimento por que era devida a glória da canonização depois da morte a quem tão fielmente dera a Deus a glória de todas as suas obras na vida. Mas ainda nos resta por vencer a maior dificuldade nesta matéria, que é o estreitíssimo e rigorosíssimo exame das mesmas obras, da mesma vida, e da certa e indubitável santidade que há de ser canonizada. O mais estreito e rigoroso tribunal que há no mundo é o da Sagrada Congregação dos Ritos em Roma, sobre as causas da canonização, não havendo virtude, profecia, milagre, ou outra obra sobrenatural, de que se não faça a mais esquisita e sutil anatomia, sendo raríssima a que dali sai ou se recebe sem ser legitimamente provada.

Primeiramente, se na causa da canonização de S. Francisco Xavier se houvera de tomar o seu depoimento, nem havia de ser canonizado, nem beatificado, nem ainda reputado por bom cristão, senão por um grandíssimo pecador. Isto era o que ele sentia e afirmava de si. Quando, por culpa do capitão de Malaca, se desfez a jornada da China, aonde Xavier tinha traçado entrar, disfarçado entre a família do embaixador de Portugal, tendo-se este empenhado à sua custa na grandeza dos aparatos que pedia a majestade do rei que o mandava, e a da corte, aonde ia, dizia-lhe o santo com lágrimas: – Meu amigo e senhor, o que sinto nas nossas perdas, é saber de certo que a causa e culpa delas são meus pecados. – Quando se resolveu a intentar a entrada do Japão, pediu a todos os religiosos, não por cerimônia, mas com muito verdadeiras instâncias, nascidas do íntimo do coração, lhe alcançassem graça de Deus, para primeiro emendar a vida, por que os seus grandes pecados não impedissem o fruto daquela empresa. E, quando dava conta a Santo Inácio dos progressos das missões da índia, acrescentava que seriam muito maiores, se os seus muitos pecados os não impedissem, e assim lhe pedia e protestava que mandasse outro que as tivesse a seu cargo. Sendo que o mesmo Santo Inácio estava deliberado a renunciar nele o ofício de Geral da Companhia, e quando as ordens com que o chamava chegaram à índia, o acharam morto. Que pecados eram logo estes, que tão profundamente reconhecia Xavier, que tão continuamente confessava, e de que tanto se doía?

Nos processos das canonizações, depois de aprovadas pelos auditores da Sagrada Rota as causas que se oferecem, então sai o promotor da fé, opondo-se contra as provanças, e argüindo fortíssima e sutilissimamente sobre os pontos de todas. E, tendo a canonização de Xavier por si a fama e aplauso universal de todo o mundo, e os testemunhos oculares de suas virtudes e maravilhas em toda a parte, nem se achando outros argumentos contra ele, que os tirados da sua própria boca, e daqueles vários disfarces, com que eclipsava a glória do que fazia, destes formou, ou pode formar o promotor três objeções, em que parece o convencia de implicar nele a mesma santidade, e por isso não poder ser canonizada.

Mas porque às objeções e oposições do Promotor da Fé é lícito responder e impugná-las, eu o farei por parte de Xavier, com tão honrada defesa, que só se pode argüir delas serem os ápices e pontos mais levantados e sublimes da perfeição evangélica, e tais que o mesmo soberano legislador, Cristo, se não atreveu a pôr em preceito, mas a aconselhar somente. Primeira objeção: Se era tão santo, como o podia negar? Segunda: Se não era tão pecador, como o podia crer? Terceira: Se uma e outra coisa era tão manifestamente contra a verdade, como o podia afirmar licitamente o mestre da mesma verdade? Notável espírito foi o deste mais que homem, pois, quando eu subi a este lugar, para fazer panegíricos de suas obras, sou obrigado a fazer apologias contra suas palavras!

Quanto à primeira – se era tão santo, como o podia negar? – respondo que, porque na mesma negação consiste o mais alto ou o mais profundo da santidade, que é a abnegação de si mesmo: Si quis vult post me venire, abneget semetipsum (Mt. 16, 24): Quem me quiser seguir e imitar, negue-se a si mesmo – diz Cristo. – E que quer dizer: negue-se a si mesmo? Quer dizer que cada um, não só de palavra, senão por obra, e com efeito, sinta de si, e se diga a si mesmo: Eu não sou eu. Assim o declara S. João Crisóstomo, e assim o dizia S. Paulo: Ego jam non ego (Gal. 2,20). – E se eu me posso negar a mim, muito melhor posso negar quanto me pertence. Se posso negar a pessoa, muito melhor posso negar as ações. Menos é negar o que faço que o negar o que sou, e quem pode afirmar: eu não sou eu – mais facilmente pode dizer: eu não faço o que faço. Mais intrínseco é no homem o ser, que o ser santo ou ser milagroso; e se eu posso negar as raízes da própria essência, quanto mais naturalmente os ramos, flores e frutos que dela nascem, e dizer: Não ressuscitei o morto, nem sarei o enfermo?

Mais. Se pela abnegação de mim mesmo não sou o que sou, quem sou? Sou outro, diz Vítor Antioqueno: Non ipse, sed alius quispiam. – E se as ações são de outro, bem posso negar serem minhas, antes não posso deixar de o negar, pois, sendo de outro, seria roubar o alheio. Na parte passiva da abnegação se vê isto mais claramente. Dos mais fortes mártires disse elegantemente o grande Nazianzeno: Velut in alienis corporibus dimicabant: que pelejavam e padeciam nos corpos próprios como se fossem alheios. – E esta alienação é a que principalmente Cristo pretende na abnegação de si mesmo: que nas perseguições, injúrias e afrontas se porte cada um tão insensivelmente como se fora outro o perseguido, e outro o injuriado e afrontado. Assim se portou Xavier nas enormes injúrias e afrontas públicas das ruas e praças de Malaca, com tanta serenidade de ânimo e de rosto, como se o afrontado fora outro. E se ele não era ele, senão outro, para as afrontas: Non ipse, sed alius quispiam -porque não seria também outro, e não ele, para os milagres e obras gloriosas? Logo, não só lícita, senão heroicamente as podia negar de suas.

E quanto aos grandes pecados, os dos santos são aqueles, não só veniais e mínimos, senão indeliberados, e por falta de plena advertência, quase inevitáveis à fragilidade humana. Como podia logo crer Xavier que eram os seus tão grandes e graves como ele os confessava? Porque assim lhos representava, e assim os reconhecia a sua humildade. A virtude da humildade, não por velha – que a não conheceram os filósofos – sempre vê com óculos, e os de que usa são os que vulgarmente se chamam de larga vista, porque é muito curta a sua. E como estes óculos, aplicados aos olhos, por uma parte fazem as coisas pequenas grandes, e por outra as grandes pequenas, isto mesmo sucede com as suas virtudes e com os seus pecados aos verdadeiramente humildes – que são o avesso dos imperfeitos – e por isso, as suas virtudes, sendo grandes, lhes parecem pequenas, e os seus pecados, sendo pequenos, lhes parecem grandes. Assim olhava S. Paulo para os seus, e se chamava o primeiro e maior de todos os pecadores: Peccatores salvos facere, quorum primus ego sum[32]. – Onde nota S. Bernardo, que não diz ego fui, senão ego sum, porque não só se referia aos pecados passados, quando perseguidor de Cristo, senão aos defeitos presentes, quando era o maior amante do mesmo Cristo, e mais ardente zelador de sua glória.

Contudo, sendo os seus pecados e defeitos naquele tempo mínimos – como também os de Xavier – parece que não bastava a humildade de cada um, para crer que eram tão grandes, porque não há santo tão humilde, que deva, nem humilde tão santo, que creia de si o que não é, pois a humildade não é ilusão, senão ciência, como filha do conhecimento próprio. Este prolóquio é absolutamente recebido de todos os mestres espirituais e ascéticos; mas, com licença sua, eu o distingo. Nas coisas baixas e vis, a humildade é filha do conhecimento próprio; nas altas, e, muito mais, nas altíssimas é filha da ignorância de si mesmo. E por que a distinção por nova não pareça menos certa, vamos à Escritura: Si ignoras te, o pulcherrima inter mulieres[33]. – Fala o Esposo divino com uma alma, não só santa, mas santíssima – que isso significa aquele superlativo pulcherrima – e diz que ela se ignora a si mesmo: Si ignoras te. – Pois, se era tão formosa e tão agradável aos olhos de Deus, como é possível que ignorasse, não só o que tinha tão perto, senão dentro de si mesmo? Porque aquela virtude de que Deus mais se agrada – como agradou na alma mais santa e santíssima sobre todas – é a humildade: Respexit humilitatem ancillae suae[34] – e a humildade nas coisas altas e sublimes não é filha do conhecimento, senão da ignorância própria: Si ignoras te. – Daqui se segue que, se o homem não pode crer o contrário do que sabe, nenhuma dificuldade tem em crer o contrário do que ignora. E porque os santos só conhecem em si o baixo e vil, e ignoram o alto, e muito mais o altíssimo, por isso a ignorância das virtudes contrárias, que ignoram, os persuade facilmente a crer a grandeza dos pecados que conhecem. Quando fazeis a esmola – diz Cristo – não saiba a vossa mão esquerda o que faz a direita: Nesciat sinistra tua quid faciat devera tua (Mt. 6, 3). – E se uma mão no mesmo homem pode ignorar o que faz a outra, que muito é que a esquerda do pecado ignore o que faz a direita da virtude? Parta-se o nosso santo pelo meio, de sorte que o Francisco fique de uma parte, e o Xavier da outra, e logo se verá como a ignorância das virtudes de Xavier podia facilitar e fundar a crença dos pecados de Francisco.

Só resta o argumento da verdade, porque poderá inferir alguém, com menos reverência: Se Xavier, como santo, negava o que era, e, como pecador, afirmava o que não era, logo faltava à verdade, por não dizer, em termos mais grosseiros e claros, que mentia. Respondo que tudo podia ser, e foi, sem exceder os limites da verdade, antes subindo aos últimos e mais altos a que pode chegar a perfeição da virtude. Mentir, como define Santo Agostinho, é dizer ou ir quem fala contra o que entende: Mentiri est contra mentem ire. – De sorte que quem diz o que entende, tão fora está de mentir, que antes mentiria se fizesse o contrário. Exemplo: Perguntado o Batista se era profeta, respondeu que não: Propheta es tu? Et respondit: Non (Jo. 1, 21). – Pois, e Cristo disse que o Batista, não só era profeta, senão mais que profeta: Prophetam, et plusquam prophetam (Lc. 7,26) -como pode dizer o Batista que não é profeta? Porque Cristo dizia dele o que sabia dele, e Batista dizia de si o que sentia e entendia de si.

Maior e estupendo caso. O salmo vinte e um, como consta de muitos testemunhos da Escritura, é de fé que fala literalmente de Cristo, e diz nele o mesmo Cristo: Ego sum vermis, et non homo (Si. 21, 7): Eu não sou homem, sou um bichinho da terra. – É possível que tal dissesse o mesmo Cristo! Se Cristo é a suma verdade, como pode afirmar de si que é um bichinho, e negar de si que é homem, artigo de fé, por que todos daremos mil vidas? Porque assim como Cristo é a suma verdade, assim é também a suma humildade, e a verdade junta com a humildade, pode afirmar ou negar sem implicância o que a verdade por si só não pode. E qual é a razão em todo o rigor da filosofia e teologia? A razão é porque a verdade por si só tem obrigação de se conformar com o seu objeto, assim como ele é; porém, junta com a humildade, basta que se conforme com a estimação que ela tem, ou se tem do mesmo objeto.

Esta foi a razão de Cristo, que ele não calou: Ego sum vermis, et non homo; opprobrium hominum, et abjectio plebis[35]. – Porque aqueles homens, indignos de tal homem, e aquela plebe má, ingrata e blasfema, faziam tão pouco caso e estimação de Cristo, como se não fora homem, senão um bichinho vil da terra; por isso o mesmo Senhor, conformando-se a sua verdade e a sua humildade com esta estimação vulgar, não duvidou de afirmar que era um bichinho, e negar que era homem, como eles diziam: Ego sum vermis, et non honro. – E se à verdade e humildade de Cristo, para negar de si o que era e afirmar o que não era, bastou se conformasse com a estimação alheia, por que lhe não bastaria a Xavier conformar-se com a estimação própria? Por isso podia afirmar, e afirmava, que era grande pecador, e por isso podia negar e negava, que não havia nele coisa alguma de santo.

E como o grande zelador da honra de Deus tão profundamente aniquilava a glória de suas obras, para nelas exaltar a glória de Deus: Ut glorificent Patrem vestrum qui in caelis est – não podia faltar a providência e justiça do mesmo Deus, não só em o exaltar a ele com a glória da canonização, mas em declarar publicamente a todo o mundo, pela voz do Sumo Pontífice – que é a sua na terra – não ser outra a causa de assim o glorificar depois da morte, senão porque ele tanto o tinha glorificado na vida, pronunciando o supremo oráculo da Igreja, e cantando a Deus neste dia, em prova e correspondência de uma e outra glória: Deus, qui glorificantes te glorificas[36].

§ VIII

A canonização de Xavier e o milagre do banquete no deserto. Os sobejos da canonização de Xavier. Conclusão: sendo Xavier canonizado com título de confessor, o pudera ser por todos os outros títulos dos anjos e dos santos.

Assim foi canonizado S. Francisco Xavier, e, se teve alguma coisa de admirável ou milagrosa esta canonização, eu lhe não acho semelhança entre os milagres de Cristo, senão a do banquete no deserto, de cujos sobejos recolheram todos os apóstolos quanto cada um podia levar. O mesmo digo, e não posso dizer menos, nem sei dizer mais, senão que foi canonizado S. Francisco Xavier com tanta superabundância de merecimentos, que dos sobejos da sua canonização se puderam canonizar outros muitos santos.

Muitos santos nem um só milagre fizeram, e Xavier, não só foi milagroso, mas, como muitos autores lhe chamam, foi o milagre dos milagres. Muitos santos não sararam umas maleitas; e Xavier, além dos que se não sabem, ressuscitou sessenta e oito mortos. Muitos santos não disseram uma profecia; e Xavier assim via as coisas futuras ou ausentes, e falava nelas como se as tivera diante dos olhos. Muitos santos não converteram um homem à fé; e Xavier de todas as seitas converteu tantos, quantos elas em mil e quinhentos anos não puderam perverter. Muitos santos, contentes com a salvação da sua alma, não salvaram outra; e Xavier de inocentes e adultos, seguindo os que menos dizem, salvou ou pôs em estado de salvação um milhão e duzentos mil. Muitos santos, guardando perpétuo silêncio, nem a sua língua falaram; e Xavier pregando a inumeráveis nações bárbaras, a todas falava na sua própria língua. Muitos santos, servindo a Deus a seco, não tiveram ilustrações nem consolações do céu; e em Xavier foram tão contínuas e tão excessivas, que não lhe cabendo no peito, apartando de sobre ele as roupas, quase desmaiado dizia: – Basta, Senhor, basta, basta! – Muitos santos se queixavam amorosamente a Deus dos trabalhos, entrando neste número o mesmo Jó; e Xavier, sendo tantos e tão extraordinários os seus, pedia a Deus, que lhos mostrava, mais, mais, mais. Muitos santos nunca saíram da pátria; e Xavier, tendo deixado a sua, e sendo tão estimado em toda a parte, que se pudera contentar com ser cidadão do mundo, sempre o teve por desterro. Muitos santos nunca puseram o pé no mar, nem o viram; e Xavier desde o último do Ocaso, até o primeiro do Oriente, debaixo de todos os climas, não só experimentou a fúria das suas tempestades, senão as dos seus naufrágios. Muitos santos fizeram grandes penitências por seus pecados; e Xavier, tomando sobre si os alheios, para pagar por eles, não só os chorava com lágrimas, mas lavava-os com copioso sangue das próprias veias. Muitos santos, porque viviam só com Deus e consigo, não padeceram perseguições dos homens, e Xavier, não só as padeceu cruéis, de todos os que não tinham fé nem religião, mas até dos mesmos cristãos foi cruelissimamente perseguido. Muitos santos nunca se ofereceram à morte, nem se puseram a perigo dela por amor dos próximos; e Xavier, com o peito aberto às setas e azagaias, ferido e quase morto, os defendeu muitas vezes. Finalmente, muitos santos – e todos – quanto oraram, quanto trabalharam, quanto padeceram, foi por alcançar e segurar a glória e bem-aventurança do céu; e Xavier, depois de a estar gozando, deixou o mesmo céu, do modo que é possível, e anda neste mundo entre nós, para nos socorrer e ajudar a ser bem-aventurados.

Demos outra volta – e seja a última -à mesma canonização, e acharemos que, sendo S. Francisco Xavier canonizado com título de confessor, o pudera ser por todos os outros graus de dignidade e lauréolas, com que os mais santos se distinguem, e reinam coroados na glória: como patriarca com os patriarcas, como profeta com os profetas, como apóstolo com os apóstolos, como mártir com os mártires, como doutor com os doutores, como virgem com as virgens. E, sendo que de um só homem sabemos que fosse canonizado por anjo, como foi o maior dos nascidos, quando dele disse o mesmo Cristo: Ecce ego mitto angelum meum[37] – em todas as jerarquias, e em todos os coros dos anjos, dão lugar a Xavier os que mais exatamente escreveram sua vida: como anjo, em guardar os homens; como arcanjo, em presidir às cidades; como principado, em procurar a conservação dos reinos; como potestade, em sujeitar os demônios; como virtude, em obrar os milagres; como dominação, em ter império sobre as criaturas; como trono, em descansar nele a Majestade divina; como querubim, na altíssima sabedoria, e como serafim, no ardentíssimo amor de Deus e dos homens, em que sempre viveu e morreu abrasado. Ele nos alcance a imitação de tal vida, para que por ela mereçamos na morte a participação da mesma graça, e o prêmio daquela glória só concedida aos que glorificam a Deus: Deus, qui glorificantes te glorificas.

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